O QUE O GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO NÃO DIZ SOBRE A "REORGANIZAÇÃO ESCOLAR"

24/11/2015 11:02

      A proposta de “reorganização” da rede estadual de educação de São Paulo tem sido apresentada pelos seus mentores como decorrente de um processo natural de modificação do perfil demográfico e educacional do Estado. Segundo a Secretaria Estadual de Educação, tal processo resultou no aparecimento de “classes e escolas ociosas”, que precisam ser reorganizadas com o intuito de se constituírem escolas com ciclos únicos de aprendizagem. Tal necessidade se justifica, segundo dados da Secretaria, por pesquisas que comprovam que nestes ciclos os alunos aprendem mais. Em uma série de vídeos postados no site da Secretaria, especialistas ligados ao governo defendem a proposta, reafirmando que a única preocupação com esta reformulação é garantir melhor qualidade para a educação das crianças, adolescentes e jovens do Estado.

        Isto é o que os defensores da proposta dizem. Mas há muitos silêncios neste debate. Por isso, passemos a enumerá-los:

1. O que o governo do Estado de São Paulo não diz é que ele é um dos principais responsáveis pela diminuição das matrículas na rede estadual. Entre 2000 e 2014, 1.8 milhão de alunos deixaram a rede estadual de São Paulo. No entanto, eles não desapareceram. 700 mil foram para as redes municipais, parte em decorrência da busca de uma melhor qualidade de ensino, parte por conta do amplo processo de municipalização da educação paulista colocado em prática a partir de 1995. Outros 265 mil migraram para a rede particular, efetivamente empurrados pelas péssimas condições encontradas em muitas escolas da rede estadual, com salas superlotadas, sem laboratórios, sem recursos financeiros, sem condições adequadas de trabalho para os professores. Menos de 50% da diminuição da matrícula se refere à mudança demográfica, que tem sido aventada como a principal responsável por aquilo que o governo tem chamado de “esvaziamento das escolas”, o que está distante da realidade encontrada nas escolas que serão fechadas.

2. O que o governo do Estado não diz é que estas “salas ociosas”, encontradas em algumas escolas, resultam também de um processo de evasão escolar que há décadas atinge a rede estadual de São Paulo sem que seja construído um amplo projeto de combate a este problema. Ao contrário, a evasão escolar tem sido interpretada como inevitável na rede estadual de São Paulo, uma vez que, no começo do ano, muitas salas são organizadas com 90 alunos, pois se considera que mais da metade deles irão desistir no decorrer do ano letivo. No limite, é possível afirmar que é a própria rede estadual, com estes mecanismos burocráticos e com as péssimas condições oferecidas a alunos e professores, que contribuem para ampliar o problema da evasão escolar.

3. O que o governo do Estado de São Paulo não diz é que inúmeras outras pesquisas demonstram que os alunos aprendem mais em salas com turmas menores, quando têm acesso a laboratórios de ciência, informática, quando podem realizar trabalhos de campo, estudos do meio, quando têm possibilidade de visitar museus, teatros, cinemas. Os alunos aprendem mais quando o professor não precisar ter 30 turmas para completar sua carga horária, quando não se vê obrigado a dar atendimento individual para 900 alunos por semana, quando não tem que se desdobrar em três escolas, de três redes diferentes, para conseguir pagar as contas ao final do mês. Os alunos aprendem mais quando o professor tem tempo para preparar as aulas, quando sua formação continuada está vinculada aos problemas reais do cotidiano escolar, quando não é obrigado a preparar os alunos para a realização de testes padronizados, quando é valorizado, material e imaterialmente. Enfim, se o objetivo do governo é readequar a rede com vistas a melhorar a aprendizagem dos alunos conforme apontam as pesquisas, há muito mais elementos a serem considerados nesta reorganização.     

4. Por fim, o que o governo do Estado de São Paulo não diz é que educação de qualidade custa caro. Em um vídeo postado no site da Secretaria Estadual de Educação, os diretores de duas escolas particulares do Estado de São Paulo defendem a proposta de reorganização dos ciclos. Para eles, com isso se garantiria a qualidade da rede. Não é de se estranhar que tais diretores defendam tal proposta, uma vez que outras semelhantes a estas, que vem sendo praticadas nos últimos 20 anos no Estado de São Paulo, produziram 265 mil novos clientes para a rede particular que representam. A perversidade está em ocultar o fato de que não é apenas a reorganização dos ciclos que garante a aprendizagem dos alunos destas duas escolas particulares, mas um conjunto de processos e fatores que, ao final do mês, custam aos pais mais de R$3000,00. Na rede estadual de São Paulo, o investimento médio por aluno aproxima-se dos R$300,00 reais por mês. A desigualdade de investimento em educação é o pilar da reprodução da desigualdade de oportunidades na sociedade brasileira.

    Portanto, o silêncio do governo estadual frente a esta e a tantas outras questões significa que a preocupação com a aprendizagem dos alunos passa distante da reorganização escolar. O que está em jogo é um amplo processo de diminuição dos investimentos em educação, com o intuito de piorar as condições já bastante precarizadas da rede estadual paulista, produzindo novas “classes ociosas”, seja pela evasão, seja pela migração para a rede privada. Por isso, não nos resta outra opção a não ser resistir a este processo, denunciar seus objetivos, expor seus interesses.

   A construção da escola pública que queremos se dá na luta cotidiana que travamos. E esta é a principal aula que hoje podemos dar aos nossos alunos.